Brasil e Mundo
A pauta ainda é “Consciência Negra”!
A luta diária contra a estrutura racista brasileira.
Publicado em 05/12/2021, por Ramon Vinny.
O mês de novembro, mês dedicado à visibilidade às questões raciais que envolvem a causa negra passou, mas o que ainda não passou foi a necessidade de falarmos sobre esse tema que em 2021 ainda não deixou de ser fundamental para evitar que pessoas pretas sejam mortas, invisibilizadas e privadas de direitos.
No dia 21 de novembro, é comemorado o dia da Consciência Negra, a data é marcada pela morte de Zumbí dos Palmares, o líder quilombola ícone da libertação de pessoas pretas escravizadas.
E não é novidade para ninguém que o Brasil foi um dos últimos países a tornar a escravização de pessoas um crime, assim como, esse processo não foi nem de longe o romance trazido por muitos anos na literatura nacional. Por traz da história da “princesa que resolveu libertar todos os negros escravizados em terras brasileiras”, na realidade existiam interesses comerciais em um novo continente. Na Europa o preço dos escravos subia, estavam pela hora da morte, e naquele cenário importar trabalhadores europeus mal pagos era economicamente mais viável do que comprar escravos.
E assim, os negros até então escravos, foram jogados a própria sorte, e apesar da Lei Áurea ter sido importante para as pessoas escravizadas, elas e seus descendentes nunca foram ressarcidos pelos horrores que sofreram, em prol da extração das riquezas desde país que foram levadas para a Europa. Foi dessa forma, que se perpetuou ao longo da colonização e construção do país a desigualdade racial no Brasil.
Os negros permaneceram às margens e estigmatizados pelas gerações seguintes. Os horrores, violências físicas e sociais sofridas pela sua cultura é algo visível e palpável até os dias de hoje. Para alguns historiadores e estudiosos, a Lei Áurea serviu única e exclusivamente para responder às pressões sociais e econômicas sem, de fato, dar poder aos negros e, assim evitar que uma revolução surgisse entre as camadas “mais baixas” da população contra a “elite” do país.
Os dados da desigualdade racial no Brasil.
Séculos se passaram e muitos quilombos viraram favelas, e a luta do negro pela sobrevivência segue até os dias de hoje. Segundo dados do IBGE de 2019 mais de 56% da população brasileira é negra ou parda. E curiosamente essa mesma população vive uma realidade cruel de pouca ou nenhuma representação nos poderes e em posições de importante visibilidade social, assim, são os menos assistidos por políticas de infraestrutura e saneamento básico, acesso à educação e segurança. Em outras palavras, a vida do negro brasileiro não é fácil!
64% da população carcerária brasileira é negra segundo dados do ABSP
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, o número de negros nas penitenciárias brasileiras aumentou de 58,4% para 66,4% entre 2005 e 2020, um crescimento de 13,5% em 15 anos. Para sermos ainda mais precisos, a população negra nas prisões subiu de 91.843, em 2005, para 397.816 em 2020, ou seja, são 333 mil pretos e pardos a mais ocupando celas nas penitenciárias do país. Já o número de brancos nas prisões brasileiras, no mesmo período, caiu 18%. O que antes eram 39,8% em 2005 hoje são mais de 32,5%.
E nem de longe esses números demonstram que os negros sejam recordistas em número de crimes. Para chegarmos a números que pudessem apontar numa lógica simplista quem comete mais ou menos crimes precisaríamos de fazer uma conta ainda mais minuciosa e conclusões de instancias investigativas, o que, em se tratando de Brasil apresenta um baixíssimo número, ficando ainda menor quando levamos em consideração casos que recebem conclusão quanto à autoria e materialidade criminal. Ou seja, no país do Pelé, o Rei do futebol, nem todos os crimes são investigados e menos ainda são concluidos com condenação.
O NEGRO E A SEGURANÇA
Em 2020 6.416 pessoas foram mortas pela polícia. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e dessas, a cada dez vítimas fatais, oito são negros e sete tem menos de 25 anos. Como é o caso do menino João Pedro Mattos, de 14 anos, morto durante operação policial em São Gonçalo (RJ)em maio de 2020, ou a pequena Agatha Vitória Sales Félix, de 8 anos morta por um tiro de fuzil que segundo testemunhas teria partido de um policial numa operação no Complexo do Alemão. Ainda temos o recente caso do Gabriel Hoytil Araújo, jovem negro de 19 anos, foi morto com uma marmita na mão em ação da polícia na zona sul de SP.
Jenifer, Kauan, Kauã Kauê, Agatha, e Kethellen – 6 crianças mortas em 2019
pela violência no Rio de Janeiro. Gabriel Hoytil foi morto em uma ação da policia em São Paulo.
O NEGRO E A PANDEMIA
Já a pandemia do Coronavírus mostrou que ainda temos muito que avançar no acesso a direitos. A Rede Penssan, realizou uma pesquisa em 2020, que apontou que quando a família é chefiada por uma pessoa de pele preta, 10,7% das famílias convivem com a fome; se é branca, 7,5%.
Os números do início de julho de 2021 mostram que as mortes por doença respiratória durante a pandemia cresceram 71% entre os negros e 24,5% entre os brancos. Maioria da população, os negros receberam apenas 23% das vacinas contra a covid-19 no Brasil, segundo a plataforma LocalizaSUS.
Quando expandimos nossa visão para o mundo em pandemia é alarmante vermos que os países pobres africanos são onde encontramos os números mais baixos de vacinados e que apresentam baixo significativo políticas públicas de enfrentamento e/ou que recebem ajuda humanitária de outros países para vencer a COVID-19.
VIDAS NEGRAS IMPORTAM
Diante de tudo o que citamos acima e os atuais acontecimentos, é notório o quanto é importante dedicarmos não só um dia, mas todos os dias a consciência negra, que vai muito além da cor da pele. E sabe por que Vidas Negras importam?
No último ano muito se falou sobre Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), um movimento ativista internacional, com origem na comunidade negra nos Estados Unidos, na luta contra a violência às pessoas negras.
George Floyd depois de uma ação violenta policial em Minneapolis, nos Estados Unidos.
Embora o movimento tenha começado em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em mídias sociais, após a absolvição de George Zimmerman que atirou fatalmente no adolescente negro Trayvon Martin, voltando à tona em 2014 por manifestações após a morte violenta, de dois afro-americanos, e em 2020, ganhou proporções ainda maiores com a morte e agonizante de George Floyd depois de uma ação violenta policial em Minneapolis, nos Estados Unidos. Milhares de pessoas foram às ruas protestar a favor da vida das pessoas negras no mundo todo.
O movimento teve origem nos Estados Unidos, ultrapassa as suas fronteiras pois a realidade de países como o Brasil não é melhor para as pessoas pretas.
Vale lembrar que em 20 de novembro de 2020 um dia antes do dia da Consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas, um homem de pele preta, 40 anos, foi espancado até a morte em uma das lojas da Rede Supermercados Carrefour em Porto Alegre no Rio Grande do Sul. O Fato não se trata de uma ação isolada, no dia 9 de agosto de 2021, Luís Carlos de 56 anos, homem negro, foi obrigado a se despir em uma abordagem dos seguranças da rede de Supermercados Assaí na cidade de Limeira, interior de São Paulo, por se tornar suspeito por entrar e sair de um supermercado sem comprar nada.
Na ultima semana outro ocorrido chamou bastante atenção nas redes sociais, um homem negro é algemado na traseira da moto de um policial militar. O homem corre para conseguir acompanhar a moto do PM, que avança por meio da faixa de ciclistas de uma avenida. O caso ocorreu por volta das 15h desta terça na Avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello, na região da Vila Prudente, Zona Leste de São Paulo.
A ação policial violênta tomou as redes sociais
De acordo com a reportagem do Bom dia Brasil, foi durante uma blitz policial ao avistar o bloqueio, que Jhonny Ítalo da Silva, de 18 anos, virou a motocicleta e fugiu em alta velocidade pela contramão, sendo perseguido na sequência pelos policiais. O suspeito jogou no chão a mochila que carregava. Durante a fuga ele bateu a moto e tentou fugir a pé, mas acabou capturado pelos policiais. Na mochila do rapaz, foram encontrados 11 tabletes de maconha. Questionado pelos policiais, ele confirmou que receberia uma quantia em dinheiro para fazer a entrega da droga.
UM PROBLEMA GLOBAL
Mas o que chama a atenção e coloca todos estes casos em situação de equiparação é a violência e violação dos direitos humanos nas repressões policiais à pessoas de pele preta, reflexo do racismo estrutural mundial.
Um Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado e junho deste ano analisou a justiça racial após o assassinato do norte-americano George Floyd em 2020, o documento apela a todas as nações para que ponham fim à "impunidade" das forças de segurança que violam os direitos humanos.
Segundo relatório da ONU policiais "raramente são responsabilizados" por matar pessoas de origem africana e pele preta, principalmente devido a investigações "deficientes".
O documento diz que a discriminação racial e o uso de força excessiva pela polícia estão enraizados nos países com legado escravagista, de comércio transatlântico de africanos escravizados ou de colonialismo como, Estados Unidos (EUA), na Europa e na América Latina. Michelle Bachelet, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, mostra, com o documento, uma visão mais ampla dos maus-tratos enfrentados pelos negros ao longo de séculos, principalmente por causa do comércio negros que foram escravizados, e pede uma abordagem "transformadora" para os dias atuais.
A agência da ONU analisou 190 assassinatos de africanos e afrodescendentes por agentes de autoridade em todo o mundo e concluiu que os policiais "raramente são responsabilizados" por matar pessoas de origem africana e pele preta, principalmente devido a investigações "deficientes" e à falta de vontade de reconhecer o impacto do racismo estrutural. O relatório ainda analisou violações dos direitos humanos, respostas dos governos a protestos e manifestações pacíficas antirracismo e responsabilização e compensação das vítimas.
PARA PENSAR POSITIVO
Por outro lado, o ensino superior aponta conquistas relevantes, resultado da luta do povo negro e das fundamentais políticas de cotas.
Em 1999, de cada 100 estudantes brasileiros de universidades públicas, 15 eram negros. Em 2019, de cada 100 estudantes brasileiros de universidades públicas, 46 são negros. É o que apontam os números do Caderno de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Quando dizemos que não podemos nos calar diante da barbárie social é a forma mais sensata de colocar um basta no preconceito, no racismo estrutural. O mundo mudou e não pode ser natural e muito menos piada aquilo que causa dor. É insustentável manter uma sociedade de pé em bases desumanas com gritos ensurdecedores de clamor pelo direito de respirar. Ter ou não um dia da concência negra não é nem de longe a pauta social, a pauta é bem mais humana, ela diz sobre o a barbárie sofrida motivada pela cor da pele.