Artur Carvalho de Amaral Gurgel

Duas Palavras


Publicado em 28/06/2022, por Artur Carvalho de Amaral Gurgel.

Anos atrás, escrevi um poema sobre a sexualidade, não dos outros, mas da minha, sempre confrontada. Um poema longo. Nele coloquei o título de ‘surreal”. Depois fiquei cismando muito tempo se esse título realmente seria apropriado. Recentemente percebi que a palavra ‘surreal’, de difícil compreensão, na minha vã opinião, tinha se popularizado. De mãos dadas com ‘surreal’, veio uma outra palavra, quase que de uso compulsivo, que é ‘literalmente’. Do mesmo calibre e dificuldade da primeira. São para mim palavras preciosas. Apavorado, corri ao dicionário, ou melhor, ao google que, como diria Chico Buarque, “não é o mesmo, porém é igual”:

“Significado de Surreal:

Que existe no contexto de sonhos, da imaginação; incompatível com as leis da razão, de teor absurdo, ilógico.

Que pode provocar estranheza.

Relativo a algo contraditório, divergente, incoerente. ”

                                          Dicionário Online de Português https://www.dicio.com.br

E a outra?

“Significado de Literalmente:

De modo ou de maneira literal; escrito ou entendido ao pé da letra; exatamente do modo como foi dito ou está escrito.

De modo total; em que há totalidade; totalmente. ”

                                           Dicionário Online de Português https://www.dicio.com.br

Vejam, os significados originais das duas palavras foram esquecidos... tudo bem, diriam os modernos, ou menos implicantes do que eu. A língua é viva, evolui, se transforma de forma ininterrupta, e por aí vai. Claro que concordo com tudo isso. Mesmo assim continuo incomodado., os incomodados que se mudem...

Por favor, entendam, não me causa estranheza a evolução das palavras, mas a vulgarização do seu uso. Agora tudo é literal e tudo é surreal, e assim: literalmente é usado para substituir “de fato” ou “sem dúvida”. Surreal parece que substitui “maravilhoso”, “surpreendente” ou qualquer outra coisa grandiosa, que o emissor, no fim da frase, não saiba expressar...

Num mundo em que nada, nem mesmo o sexo, é de fato literal e tudo vai se tornando virtual, a subjetividade foi sepultada sem funeral. E o mais surreal, para mim, de tudo que ouço, são os ‘heterossexuais top’ jovens, nos seus diálogos cibernéticos, em cada frase proferida, chamarem-se, literalmente, uns aos outros de “viados”.

Artur do Amaral Gurgel –  poeta