Artur Carvalho de Amaral Gurgel
A cara de Ouro Branco
Publicado em 28/07/2022, por Artur Carvalho de Amaral Gurgel.
Duas semanas atrás, prometi listar os desejos que tenho para minha cidade, Ouro Branco-MG. São muitos, frutos de reflexões que faço ao longo dos anos, desde 1999, quando cheguei por aqui. Por isso, terei que escrever essa lista em capítulos. Vamos lá!
Antes de mais nada, é importante que se faça uma observação sobre o que é básico em qualquer cidade: a erradicação da fome, a Saúde e a Educação. Muitos pensam que isso está resolvido por aqui, mas não é verdade. Avanços foram feitos, mas ainda há muito por caminhar. Não vou me aprofundar nesses assuntos por agora, ano eleitoral e temas que enveredam pela política local, que não nos interessam nesse momento.
Vejo que as cidades, via de regra, possuem ou criam uma vocação local. Isso se dá de uma forma natural, caso do colonial-barroco em Ouro Preto. Ninguém fez esse planejamento a princípio, foi acontecendo, até que se percebeu que preservar gerava oportunidades de crescimento econômico e social. Cidades litorâneas também já têm, naturalmente, as praias como atrativos turísticos. Noutros casos, o poder público ou a própria população, cria, artificialmente um fato, uma atividade ou uma história, que se torna a marca daquele local. Temos como exemplo o exagero em Itu - SP, o ET de varginha-MG, a mística em São Tomé das Letras-MG, as quadrilhas juninas em Caruaru-PE, a seresta em Conservatória-RJ, a Paixão de Cristo em Nova Jerusalém e por aí vai. Essas marcas de identidade, tanto servem para reforçar uma tradição, como para romper com ela e apontar para um possível progresso.
Quando cheguei aqui, no finalzinho do século XX, Ouro Branco era uma cidade decadente, época do vácuo de transição entre a privatização da Açominas e sua inserção no complexo GERDAU. As pessoas estavam indo embora, casas vazias, imóveis baratos. Bem diferente da atualidade. Havia uma dicotomia entre a atividade industrial siderúrgica e a atividade agrícola. Os moradores dos bairros planejados pela estatal, quando iam ao centro da cidade, diziam, “vou a Ouro Branco”, não se sentindo incluídos na cidade antiga. Esses bairros eram como imensos alojamentos, cidades-dormitório, pessoas de fora, querendo voltar para suas origens, tanto que, até hoje, muitos desejam, quando mortos, serem transladados para suas cidades natal. Ouro Branco era para trabalhar e dormir, Conselheiro Lafaiete, para fazer compras e BH para o lazer. Tudo isso, impulsionado pela Universidade, pelas Escolas Federais, expansão da Usina e especulação imobiliária, está mudando. Mudança lenta e que nem sempre é para melhor.
Restam marcas de um passado dividido. Muitos ainda se consideram forasteiros e do outro lado, muitos se consideram batateiros.... Assim, a cidade continua sonolenta em criar uma identidade que envolva todos.
A Festa da batata se tornou absolutamente anacrônica, perdeu o significado, virou um evento vazio, um show como outro qualquer. Há muitos anos fui assistir a um show do Almir Sater na Praça de Eventos e houve um desinteresse total por parte de quem estava lá. O mesmo aconteceu num show belíssimo da cantora Simone, na Praça Santa Cruz, para meia dúzia de gatos pingados. A vocação agrícola parece que se perdeu no tempo. Somos agora urbanos e é por aí que teremos que prosseguir? Reflitam!
A cerâmica saramenha, que é fantástica, parece que também não decola como alma da cidade. Recentemente foi criado um museu para essa arte, mas se você perguntar para os jovens o que é isso, não saberão responder. Fiz o teste com meus filhos. Também, nos últimos tempos, foi realizada uma tentativa de transformar a cidade num polo musical, mas não ouço falar mais nada sobre isso, perdeu o fôlego. Os treze dias da Festa de Santo Antônio eram o evento mais forte daqui, no início do século XXI, e um filão promissor do nosso patrimônio cultural, mas vem perdendo força, talvez por se tratar de festa religiosa, por faltar interesse da Igreja Católica em unir o sagrado ao profano, ou do poder público em investir no sagrado. Não tenho informações sobre isso, é só um palpite, mas que a festa está minguando, isso é fato.
Bem, até agora só temos diagnósticos superficiais que, óbvio, poderão gerar reflexões muito mais aprofundadas. Que tal lançarmos uma campanha: “Procura-se uma cara para nossa cidade”. Na próxima semana lançarei meus palpites. Até lá!
Artur do Amaral Gurgel – Cientista social / Mestre historiador.