Elizabeti Felix
Ouro Branco Versões da história
Publicado em 12/02/2025, por Elizabeti Felix.
Quando comecei a pesquisa em 2005 sobre a história da cidade, encontrei muitas informações interessantes, com elas daria para fazer um outro livro, quem sabe uma outra vez surgirá a oportunidade?
Ouro Branco como a maioria das cidades do interior é cheia de “estórias e lendas”, tem ainda pessoas que se lembram do passado, mas infelizmente grande parte desses nativos que vivenciaram dois dos últimos ciclos (Batata e Aço), estão partindo desta dimensão, sem deixar seus registros e conhecimentos da nossa cultura.
Por isso a importância de ter um memorial ou um arquivo público em Ouro Branco, antes que toda nossa origem e passagem dos ciclos sejam esquecidos. Enquanto trabalhei na cultura tentei muito conseguir isso, mas não foi possível pelos meios administrativos. A memória da cidade diz respeito ao acervo de lembranças passadas e que podem ser elementos de reapropriação por parte da sociedade, constituindo-se assim importante marco da identidade do lugar.
Porque os arquivos têm importância para a preservação das memórias sobre o passado, eles são fontes confiáveis de informações, responsáveis e transparentes, o dever de memória é obrigação do Estado e um respeito à população. Existem três tipos de arquivos públicos: correntes, temporários e permanentes.
Para que a memória e a identidade de uma cidade sejam preservadas é preciso conservar fotos, documentos, objetos e organizar os registros desses fatos. Essas memórias ajudam a contar a história da comunidade que podem ser transmitidas de várias maneiras, entre elas a tradição oral e a tradição escrita.
Desde a sua fundação baseada na riqueza do “ouro”, nossa cidade teve um início de grandeza, que perpetuou em “ciclos” de desenvolvimentos, entender esses ciclos e o que ocasionaram seus desfechos podem ilustrar um caminho futuro, entendendo assim o que não deu certo.
Se alguém de fora chegar na cidade e buscar informações da cultura, história e referências da arquitetura e da arte vão encontrar onde? Nossos monumentos são mal identificados, na maioria das vezes fechados e sem elementos para conhecimento da história.
A cidade teve o Ciclo do Aço que descaracterizou sua cultura, perdeu-se muito em relação a memória do povo e a forma de como transmitir para as novas gerações. A história do Ciclo é contada de uma forma que não esclarece o outro lado da história, não mostra o avesso dessa intervenção que desenvolveu a indústria, mas apagou a identidade nativa. Poucas referências de um passado doloroso para muitas famílias e perdas significativas financeiras e culturais.
O Ciclo do Aço veio com uma certa truculência, quando parecia que o desenvolvimento era inevitável, uma outra cidade surgiu, sem referência e com pessoas de toda parte do país. Então surgiu o preconceito e a separação, oriunda da própria distribuição das moradias da empresa. Este ciclo trouxe também um período de incertezas, quando nos primeiros anos da década de 90 com colapso do modelo da forte presença do Estado na economia sucumbiu, as privatizações por todo país tornaram inevitáveis. Em nossa cidade, as demissões de grande parte dos funcionários frearam o desenvolvimento da economia local, trazendo instabilidade. Demissões que vieram acompanhas por um processo de “terceirizações” e a implementação de contratos temporários, trabalhadores menos qualificados e sem nenhuma conexão com a cidade. Após a compra da empresa pela Gerdau uma retomada do desenvolvimento voltou aos poucos no município, mesmo não sendo condizente com as estatísticas e a expectativa de crescimento da Açominas na época, o município volta a crescer.
A antiga Açominas veio trazendo grandeza e inserção de nomes ilustres da arquitetura e das artes. Apesar de desconsiderar o centro histórico, houve uma preocupação em restaurar fazendas e sítios históricos na região. O arquiteto mineiro Éolo Maia realizou o projeto restauração da Fazenda Pé do Morro do século XVIII, também fez um trabalho fantástico de preservação da Capela em ruínas, que receberam o Prêmio IAB de 1982. O projeto de 1989 consistiu em conservar as paredes e envolvê-la com uma estrutura de perfis metálicos com vidro temperado e painéis de maçaranduba com vidros em cores. Éolo Maia se preocupou em detalhes desenhando os bancos e os forros em madeira vermelha, segundo informações para que se parecessem “como as bandeirinhas das festas de São João”; para a pia batismal, escolheu uma esfera maciça em pedra-sabão. “Tentamos assimilar o passado no projeto e o presente na obra”, foi o que temos de registro segundo informações no site do próprio artista. O projeto original do Hotel Verdes Mares também trás sua assinatura. Com obras reconhecidas e premiadas por todo mundo, segue sendo um arquiteto de referência para muitos estudantes da área. Éolo Maia faleceu em 16 de setembro de 2002, em Belo Horizonte.
Outro artista de referência é Amilcar de Castro (escultor, artista plástico e designer gráfico) o ferro constitui sua identidade, particularmente a partir do construtivismo, estabelecendo um diálogo da matéria determinando sua expressão e forma, suas esculturas são reconhecidas e também premiadas em todo mundo. A escultura em ferro instalada em 1978, popularmente conhecida como bengalão é de Amilcar de Castro, possui muitas interpretações populares como os retábulos das igrejas barrocas, uma forca em referência a Inconfidência Mineira, simplesmente “Janelas para o Futuro” ou “de portas abertas para o aço, “evocando o sonho dos pioneiros que queriam explorar essa riqueza natural”.
“Meu fazer é intuitivo e aventureiro, às vezes eu me provoco, começo um desenho de um lado, mudo para outro, mudo novamente e começo o desenho com a mão esquerda. Tenho que mudar para ver o que acontece com o desenho e o mesmo acontece com a dobra da escultura".
CASTRO, Amilcar de. [Depoimento, Belo Horizonte, 1999]. In: GRAVURA: arte brasileira do século XX. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000. p. 154.
Um projeto polêmico é a Praça das rotas, que possui características e desenho de Oscar Niemeyer, arquiteto que ficou mundialmente conhecido pelos projetos de edifícios cívicos para Brasília, uma cidade planejada que se tornou a capital do Brasil em 1960. Eu tive a oportunidade de ver o CREA e os desenhos originais do projeto com data de 23 de junho de 1989, assinado pelo Oscar Niemeyer, seu filho João Niemeyer e Hans Muller, com a explicação do partido arquitetônico adotado. Infelizmente essa obra não foi registrada no nome do arquiteto Niemeyer pela falta de pagamento, mas o desenho do projeto e suas referências foi copiado por um arquiteto não tão famoso.
Existem outros relatos que ouvi por aí, mas não consegui informações seguras, como um painel feito para a entrada da Açominas na época pela artista plástica Yara Tupynanbá, que foi retirado.
Todas essas informações curiosas e importantes poderiam fazer parte de um Memorial de Ouro Branco, mas o aprendizado que eu trouxe do serviço público é que todo esforço não vale a pena se não houver vontade política.
