Clara Corrêa

Quem cuida de quem sempre cuida?


Publicado em 21/05/2025, por Clara Corrêa.

Quem cuida de quem sempre cuida?

Por Clara Corrêa, Psicóloga Clínica- Psicanalista. Pós-graduada em Saúde Mental,
Psicopatologia e Atenção Psicossocial.

Entre os muitos papéis historicamente atribuídos às mulheres, o de cuidadora parece ter se
consolidado como uma espécie de identidade social quase inquestionável. A mulher que cuida
— dos filhos, dos pais, dos parceiros, das amigas, do ambiente de trabalho — muitas vezes
não apenas desempenha esse papel, como o incorpora de forma tão profunda que passa a se
confundir com ele.

Na prática clínica, é comum que essa figura apareça de forma sutil, vestida de generosidade,
eficiência e força. São mulheres que sabem ouvir, prever necessidades, sustentar
emocionalmente quem está à volta. No entanto, essas mesmas mulheres, quando confrontadas
com a possibilidade de receber cuidado, geralmente se retraem. Sentem-se desconfortáveis,
envergonhadas ou até mesmo indignas de acolhimento.

Esse paradoxo — de quem oferece tanto e aceita tão pouco — pode ser um dos sinais mais
silenciosos de esgotamento emocional. E mais do que isso: pode revelar uma desconexão
profunda com os próprios afetos.

A escritora e psicanalista Clarissa Pinkola Estés, no livro Mulheres que Correm com os Lobos,
traz uma imagem potente que ajuda a pensar essa dinâmica. Ela escreve:
“Quando uma mulher se compromete demais, ela se afasta de sua própria
natureza selvagem.”

A natureza selvagem, aqui, não remete à desordem, mas àquilo que é vital, instintivo, pulsante.
É a capacidade de sentir com liberdade, de se posicionar, de reconhecer seus próprios limites.
Quando o compromisso com o outro se torna excessivo — seja por amor, por lealdade, por
medo de não ser necessária — esse vínculo com a parte mais autêntica de si mesma vai se
enfraquecendo.

Cuidar do outro, quando não atravessado por uma escuta interna, pode virar um esconderijo.
Um modo sofisticado de se manter ocupada demais para olhar para as próprias dores. E
muitas vezes, o cuidado oferecido ao outro é exatamente aquilo que se evita em si: escuta,
acolhimento, pausa.

Por isso, na clínica, não é raro que a escuta se volte para esse ponto de torção: o que se
esconde por trás do gesto de cuidar? O que é que não se sustenta quando o cuidado precisa
ser recebido?

A mulher que tudo suporta pode estar, aos poucos, se perdendo de si. E recuperar o vínculo
com essa “natureza selvagem” — que pulsa por dentro, silenciosamente — talvez seja o passo
mais difícil, e mais urgente, da sua trajetória de cuidado.

Venha cuidar de si para poder cuidar dos outros. Entra em contato! @claracorrea.psi /
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