Elizabeti Felix
Fazenda Carreiras, qual sua verdadeira história?
Publicado em 22/06/2021, por Elizabeti Felix.
No artigo da semana passada falamos como foi o fortalecimento do município de Ouro Branco durante a exploração do Ouro.
Após a exploração do ouro e o surgimento das cidades, muitas delas eram riquíssimas e tinham uma considerável importância para a Coroa Portuguesa. No período Colonial as fazendas eram de significativa importância para a vida cotidiana e geralmente a “casa grande” gerava centralização de poder e dava aos proprietários total autoridade sobre seus dependentes, estabelecendo amplo domínio na política.
Essas fazendas tinham uma grande importância econômica para sua localidade e região, por isso a história da maioria dessas fazendas são muito parecidas, no entanto, devido a sua condição e localização estratégica, muitas delas foram utilizadas pela Coroa Portuguesa.
Na Estrada da Corte, algumas fazendas se destacam neste quesito e o principal ponto dessa parada ficava no local, hoje denominado “Comunidade de Carreiras”.
Quadro em litocromia retratando Fazenda Carreiras no século XVIII
por Por Campos de Melo
Coleção particular de Elizabeti Félix
A Fazenda Carreiras, que na época não tinha esse nome, abrigou vários viajantes, onde também se cobrava o imposto da coroa. Situada em ponto estratégico, passagem obrigatória entre Ouro Preto e Rio de Janeiro, era um posto de registro e controle, fiscalização de passagem de tráfego de pessoas, escravos, animais e mercadorias. Para administrá-los eram utilizados os serviços de um administrador, um contador, um auxiliar e soldados.
A obtenção do lucro da exploração do ouro era conhecida como quinto, que na verdade era a retenção de 20 % da obtenção do ouro levado às casas de fundição. Tratava-se do pagamento de um direito (como existe até hoje na forma dos royalties).
Fortalecendo a tese de que durante o CICLO DO OURO a fazenda serviu de repartição de pagamento de tributo, temos a citação de José Seixas Sobrinho, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais no Caderno Açominas nº 18/02/1989:
“...nas paredes internas e externas, dois ou três vãos encaixilhados, fechados com adobe e que foram deixados abertos. Um desses vãos assemelha-se a um guichê, com grade e abertura para entrada de valores, a exemplo de repartição pagadora.”
A denominação da Fazenda “Carreiras” deve-se ao povoado e o estigma do nome “Fazenda de Tiradentes”, erroneamente pode ter surgido da interpretação na passagem do Diário de D. Pedro II, onde ele relata seu caminho por carreiras (localidade e não fazenda), segue-se parte da sua descrição:
“Partida às 6 h. Carreiras – bonita posição de vasto horizonte para leste e sobretudo oeste. ...
O caminho é bom, porém montanhoso. Passam-se diversos ribeirões, havendo uma ponte solidamente construída, todas as águas do Paraopeba.
Varginha.
Casa onde se reuniram os inconfidentes.
Pertencia então a um pedreiro de nome João da Costa. Vi a mesa e banco corridos, de encosto onde se assentavam. São de Massaranduba e estão colocados na varanda. Reparando que não houvessem conversado no interior da casa disse-me o dono dela que havia vedetas para avisá-los.
Atravessada a ponte do ribeirão da Varginha entra-se no município de Ouro Preto. Chegada à casa do Sperling cuja mulher é sobrinha do Sepetiba (Aureliano) perto do arraial de Ouro Branco às 10 h. Vieram encontrar-me a caminho Gorceix e outros.”
Com relação à Fazenda Carreiras ter sido um ponto de cobrança, é importante ressaltar que essas repartições pagadoras ficavam ao longo das estradas mais movimentadas por onde seguia o ouro. Sua localidade e suas características eram reconhecidas por sua arquitetura. De acordo com relatos, principalmente no que se refere ao vão da entrada na parede principal e o gradeamento na lateral de uma de suas salas, pode-se concluir que “repartição pagadora” foi uma de suas funções ao longo do ciclo do ouro. Por esses caminhos, apesar de fiscalizados, grande parte do ouro extraído não chegava à Europa e nem pagava direitos, pois eram levados através do contrabando.
Quando iniciei a pesquisa para a conclusão do livro “Ouro Branco dos Ciclos”, tive a grata satisfação de conhecer as últimas proprietárias da Fazenda Carreiras, Dona Sérgia e Dona Mariinha, ambas eram senhoras idosas e solteiras, concordaram em tirar foto e me falar sobre a fazenda. No início percebi muita resistência e uma mágoa em relação ao assunto, afinal a fazenda foi desapropriada na época pela Açominas.
Imagem- Estalagem da Varginha
O amor delas pela fazenda era notório, mas o desgosto também estava presente. Tive a oportunidade de fotografar e ver vários objetos antigos e móveis ainda guardados da fazenda num quartinho do fundo da sua moradia, em Conselheiro Lafaiete. Ao lembrar da fazenda e ver as peças guardadas, percebi o quanto deveria ter sido difícil sair do local onde nasceram, cresceram e viveram.
Depois de perguntar sobre o nome “Fazenda de Tiradentes”, elas acharam estranho e disse que a fazenda sempre foi familiar e nunca soube de nenhum hóspede ou dono com esse nome. De fato, se procurar nos registros e na escritura da Fazenda Carreiras verá que o proprietário com o registro de terra datado de 07 de abril de 1856 era o Sr. Antônio Florêncio de Miranda, fato que pode ser comprovado também no “Almanack” de Ouro Preto de 1890, onde consta o nome dos fazendeiros agricultores Antônio Florêncio de Miranda e na relação dos tropeiros o Alferes Francisco Florêncio de Miranda.
Quanto ao nome “Casa de Tiradentes” a documentação existente, comprova que Joaquim José da Silva Xavier pernoitou na Estalagem da Varginha do Lourenço, próxima à Fazenda das Carreiras, às margens da Estrada Real.
No final da década de 70, a Açominas adquiriu a Fazenda, implementando as reformas para garantir a integridade da construção. A partir de 1989, sua arquitetura sofreu reforma mais ampla, visando sua futura utilização como Museu do Aço. Depois de um tempo, sem uso a Açominas repassou para um grupo de maçonaria, que após pesquisar sobre sua história devolveu a Açominas. Assim, ela acabou sendo repassada em 1992 para a prefeitura por compensação de dívidas.
Em 2015, enquanto ocupei a pasta da Secretária de Cultura e Patrimônio Histórico, a Fazenda Carreiras passou por uma obra emergencial de restauração do telhado, revisão de toda parte elétrica e hidráulica e recomposição de reboco, tendo a parceria do IEPHA (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) que elaborou a planilha de serviços emergenciais, serviços e obras foram pagos com recursos do Fundo Municipal de Patrimônio Histórico.
A FAZENDA CARREIRAS é um bem cultural do município de Ouro Branco, tombada pelo Estado na categoria bem móvel da segunda metade do século XVIII, Decreto homologado em 15 de setembro de 2000, também tombada a nível municipal no ano de 1997.
Quando você percebe a importância da preservação de um patrimônio histórico, você consegue ver toda uma geração que esteve ali presente, que viveu e contribuiu com o crescimento da sua cidade, com a sua história, com a sua cultura. Nunca ignore os antepassados e o que eles representam no presente, respeite-os!