Elizabeti Felix
Lendas e Casos - Fazenda Carreiras
Publicado em 06/07/2021, por Elizabeti Felix.
Século XVIII, Brasil imperial, elite, escravos, exploração do ouro, fazendas...
Quem trabalha com inventários, registros e tombamentos de patrimônio histórico sempre tem algumas histórias para contar, muitas delas parecem lendas e casos, mas nem sempre são.
Quem já visitou a Fazenda Carreiras e teve a oportunidade de ver o que restou do alçapão que dá visão para a senzala, com certeza teve muitos pensamentos e perguntas sobre ele.
Os antigos de Ouro Branco sempre contavam histórias assustadoras, algumas repassadas de pai para filho e que pareciam filmes de terror, se eram verídicas? Quem sabe?
A abertura daquele alçapão era bem maior pelo que diziam, abaixo dele na verdade não existia a senzala e nem o pelourinho, na verdade essa construção ficava mais abaixo, numa parte afastada da sede.
Então imagina, abaixo do alçapão havia um outro cômodo que não era visto, era fechado. Nele ficava uma cama de pregos! Sim, diz a lenda. Acima era um quarto destinado aos hóspedes mais abastados.
Na madrugada, de alguma forma esses hóspedes acabavam caindo na cama de pregos e nunca mais se ouvia falar deles e toda sua bagagem ficava para o dono. Quem poderia inventar uma coisa assim? Terror mesmo.
Há outra que quando escravos ou trabalhadores da fazenda desobedeciam ficavam presos neste local, sem comer e sem beber por dias. Algumas vezes a comida era jogada de cima e se esparramava no chão, quem quisesse comer, seria igual aos porcos. Os escravos mais desobedientes eram amarrados e presos debaixo do alçapão e vez ou outra uma água com sal era jogada em suas feridas. O que pensa sobre essa? Dolorosa? Desumana?
Quando a Fazenda tinha vigia noturno, as histórias se multiplicavam, correntes que se arrastavam, gritos de dor, lamentos, choros, não faltava dramatização. Poucas pessoas se atreviam a trabalhar lá a noite.
Quando as antigas proprietárias moravam na fazenda, ela era muito bem cuidada, havia muitas flores, frutos e a flor preferida de Dona Mariinha era o lírio São José, conforme relatos de antigos vizinhos e conhecidos, ela se dedicava a eles.
Se não tivesse testemunha, o caso seria uma lenda, mas aconteceu de fato.
Como eu disse no artigo anterior na história da Fazenda Carreiras, eu conheci e entrevistei as antigas proprietárias da Fazenda, Dona Sérgia e Dona Mariinha, muitos anos atrás quando coletava dados de pesquisa para a elaboração do livro “Ouro Branco dos Ciclos”.
Durante um tempo a Fazenda Carreiras ficou fechada e quase abandonada, como acontece com construções antigas, isto faz a degradação acelerar. Infelizmente, restaurações são muito caras e demoradas, por cauda do trabalho técnico e detalhado, das aprovações dos órgãos competentes e do recurso, etapas muitas vezes difíceis de vencer.
O importante é que através de muito esforço e dedicação, da sensibilidade e o do apoio da Prefeita na época, foi possível estabelecer e manter o Fundo do Patrimônio Histórico e com ele realizar a obra de restauração. A empresa que fez a restauração teve uma diferenciação em todo o processo e até hoje eu acredito que todas as ocorrências se juntaram para que o processo acontecesse.
Em fevereiro de 2016, finalmente o contrato foi assinado com esta empresa que faria a restauração. Numa última visita técnica com dois funcionários da Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico (Ângelo Tôrres e Clenice Batista), tivemos uma grata surpresa.
A Fazenda estava com canteiros inteiros floridos com lírios São José, havia chovido muito na noite e a funcionária Maria Tereza (in Memorian) disse que desde a época da Dona Mariinha não tinha tido a oportunidade de ver, ela me contou a história da antiga moradora.
O admirável é que ninguém havia plantado, após essa data nunca mais, que eu saiba, houve essa manifestação da floração dos canteiros de lírios São José.
Desde então, eu e meus colegas temos em casa o abençoado lírio que todo ano nos lembra dessa incrível história (segue imagens do lírio).
Existe uma linha tênue entre o espiritual e o físico, as pessoas normalmente não se interessam ou não percebem os avisos, as manifestações e até mesmo sonhos que acontecem. Mas não estou dizendo que o espirito dela está na fazenda, de forma alguma, apenas contando o que se passou.
Minha interpretação foi de aprovação, do esforço em conjunto para que o bem permanecesse por muitos mais anos como exemplo para a história, se foi uma manifestação de quem ainda pode estar por lá, cuidando e zelando, isto é lenda.
Morte e vida são faces da mesma moeda, de frente você está aqui, se vira, você está lá, a vida continua, simples assim. A consciência permanece e é imortal.