Elizabeti Felix
Relatos de Viajantes século XVIII - Sobre Ouro Branco Antigo
Publicado em 20/07/2021, por Elizabeti Felix.
Sendo principal ponto de acesso para Ouro Preto, nosso município ficou registrado por várias caravanas de viajantes estrangeiros que passaram pela região.
Através de suas anotações nos diários de viagens podemos conhecer nosso passado por meio dos seus relatos. Suas anotações contribuíram como registros das cidades e das pessoas da época, da vida em sociedade e do trabalho.
O Brasil tornou-se conhecido dos europeus através dos roteiros, diários de viagens e registros de imagens por ilustradores como Johann Moritz Rugendas, George Anson, James Cook, Joseph Banks, Charles Solander, Arthur Bowes Smith entre outros, que percorreram o litoral e as serras brasileiras durante o século XVIII.
Muitos desses relatos e imagens produzidos ao longo do século XVIII, teve a finalidade de retificar a geografia do globo terrestre, diminuir os perigos da navegação e tornar mais conhecidos os costumes, artes e produtos da colônia brasileira. Era a visão europeia do novo mundo, extenso, selvagem e cheio de riquezas.
Estas informações tornaram-se fontes de estudo para vários historiadores, muitos destes registros encontram-se em Bibliotecas, Museus e Arquivos na Europa.
Através desses relatos e imagens é possível perceber e entender o período colonial na nossa cidade e região, muitos descrevem com riquezas de detalhes e de forma poética o que vivenciaram.
Separei aqui alguns relatos dessas viagens em relação a nossa região e município, façam uma boa viagem na história.
... o lugar dá a impressão da opulência passada, com sua igreja de pedra, de construção sólida, na qual se lia a data de 1779, e mais alguns sobrados igualmente sólidos, entre os quais um com a data de 1753. Ouro Branco forma uma Paróquia especial, a de Santo Antônio, e pertence ao termo de Ouro Preto, em cuja comarca já nos encontrávamos desde que passamos por Casa Branca. O número de habitantes é calculado em 1.500, mas não acredito que chegue a tanto. Logo ao sair da estrada de acesso, entramos numa grande praça aberta, onde encontramos a igreja e alguns melhores sobrados. Atravessando esta praça, entramos, do outro lado, na continuação da estrada, marginada por casas e que leva para fora da localidade. Na praça, há, ainda um belo grupo de macaúbas, um crucifixo. Essa região é conhecida pela freguesia da doença chamada papeira, e eu vi até pessoas de cor atacadas deste mal.
( BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais visando especialmente a história natural dos distritos auri-diamantíferos).
Quase todos os que encontrávamos homens e mulheres brancos e gente de cor, tinham um grande bócio, e, nesse local assim como nos vales da Europa em que essa enfermidade é comum, se atribui a frialdade das águas.
(Naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire-1779/1853)
Continuamos com os relatos dos viajantes registrados em seus diários de viagens sobre a região do Ouro Branco, com a sua principal característica, a serra.
Essa cadeia que se estende, com relação à nossa posição, para o leste e o norte, é chamada por alguns de Serra de Deus te Livre, sem dúvida por causa dos perigos de sua travessia. É mais geralmente conhecida como Serra do Ouro Branco, nome de uma cidade que fica na estrada real cuja linha branca avistávamos serpenteando entre as ravinas- entre Barbacena e Morro Velho. O maciço continua a ser avistado, mas uma elevação do terreno escondia a cidade de nossos olhos.
(BURTON, Richard Francis,1821-1890.Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho)
Saint-Hilaire, naturalista francês, descreve a Serra do Ouro Branco e seu povoado:
Desde o alto, o horizonte é limitado por uma alta montanha chamada Deus Livre ou Ouro Branco, que já tínhamos avistado no dia precedente. Ao longe, seu cume parece truncado e mais ou menos plano; os flancos têm a aparência de muito escarpados e são cobertos de ervas.
Dentro em pouco chegamos ao arraial de Ouro Branco, o único que encontramos entre Rio de Janeiro e Vila Rica, e que pode se compor de umas cinquenta casas. Essa povoação termina por uma praça cuja extremidade foi construída a igreja, e que domina um amplo vale. Como este não pode ser percebido, a igreja parece apoiada contra a montanha que apresenta por trás dela uma cortina de verdura. De um lado da praça estão às casas mais consideráveis da povoação; do outro não há construções; mas, o que torna finalmente esse conjunto extremamente pitoresco é um grupo de palmeiras de estirpe esbelta e folhas leves, que rodeiam uma grande cruz plantada sem simetria ao lado da praça oposto à igreja.
Tendo descido dessa pequena plataforma, entramos no vale. Era dia de festa, e os habitantes da vizinhança se dirigiam em grande número para a igreja. Todos estavam vestidos com limpeza: as mulheres traziam vestidos brancos, uma espécie de jaquetão de pano e um chapéu de feltro, mas as pernas e pés estavam nus. Quase todos os que encontrávamos, homens e mulheres brancos e gente de cor, tinham um grande bócio, e, nesse local assim como nos vales da Europa em que essa enfermidade é comum, se atribui à frialdade das águas.
Seguindo o vale, vimos uma série de terrenos de onde se extraiu ouro, e onde o solo esburacado, a ausência de vegetação, e montes de cascalhos esparsos dão à paisagem um ar de tristeza.
(...) A montanha de Deus Livre faz parte da cadeia ocidental: como todas as elevações vizinhas, estava coberta, por essa época, de uma vegetação tão fresca como a que exibem nossos campos de trigo no começo da primavera. Sobe-se esse morro por um declive bastante fácil, e chegando-se ao cume, descortina-se um panorama bastante extenso.
Chegamos a Venda da Lavrinha, no Ribeirão Mata-Cavalos, onde há uma pequena lavra de ouro; daí seguimos por uma elevação íngreme, coberta de densa mata, que constitui contraforte da Serra do Ouro Branco, estendendo-se de leste a oeste, e chamada Deus te Livre por causa da má trilha que nela existe e que nos primeiros tempos deve ter sido chamado Alto-do-Morro, que tem uma casa construída de pedra, um rancho e uma venda e possui uma fonte ornada com uma estátua esculpida em pedra-sabão representando um menino nu. Aqui pernoitamos, embora tivéssemos viajando uma légua e três quartos. Choveu durante a noite toda com violência constante. Como não houvesse perspectiva de tempo para alcançar o Rio de Janeiro o mais breve possível”.
(POHL, Johann Emanuel. Viagem no Interior do Brasil)
Serra do Ouro Branco, caminho dos tropeiros- Obra: Flora Brasiliensis.
Vol. I, Part I, Prancha 46.
Ficamos, porém especialmente maravilhados, quando subimos o íngreme Morro de Gravier, continuação da Serra de Ouro Branco, ao avistarmos os lírios arbóreos, cujos caules fortes e nus, bifurcados nuns poucos galhos, muitas vezes terminados com um tufo de folhas compridas, com as queimadas dos campos: carbonizadas na superfície são umas das maravilhosas formas do mundo das plantas. Ambos os gêneros que eles formam, Barbacenia e Vellosia, são chamados no país canela-de-ema.
(SPIX, Johann Baptiste von; MARTIUS, Karl Friedrick Philipp. Viagem pelo Brasil:1817-1820)
Campo com Canelas-de-Ema, “Morro do Gravier”, Serra de Ouro Branco, Minas Gerais
Martius, Eichler e Urban (1906) (Prancha 4)
a região era selvaticamente romântica, e, se a flora não fosse tão inteiramente diferente, ter-seia a impressão de estar num pedacinho da Suíça.
(CANSTATT, Oscar. Brasil: terra e gente, 1871)
A pequena vila de Redondo tem uma capela dedicada a N.S. da Ajuda, e melhor ainda, um encantador panorama. Além do primeiro plano de floresta e capim verde rompendo fortemente o chão vermelho de ocre, cor aqui chamada de sangue-de-boi, abre-se um vale de encosta e solo regulares, erguendo-se muito além até chegar a uma pedra rude que domina o ar. Esta serra, agora para nós ao oriente e norte, é chamada em alguns mapas serra de Deus te Livre – certamente pelos perigos de suas veredas. É mais conhecida como serra do Ouro Branco, de uma cidade no seu principal caminho. - Vemos a sua linha branca em meio das encostas, entre Barbacena e Morro Velho. O monte principal fica por muito tempo à vista, mas uma curva do caminho nos ocultava este sítio.
(BURTON, R.F. Viagens aos Planaltos do Brasil- 1868)
Os contornos das montanhas são na maior parte ásperos e irregulares; continuamente se avistam escavações para lavagens de ouro; a terra vegetal foi eliminada, com ela desapareceu a vegetação, e nada mais ficou senão montes de cascalho (Saint-Hilaire, naturalista Francês). Essas observações foram em parte da Serra de Ouro Branco.
Nas descrições dos relatos é possível ver que a paisagem selvagem e rica quase chegou a desaparecer para dar lugar as escavações em busca do ouro e a depredação da natureza foi brutal.
Também é possível perceber que o município de Ouro Branco teve grandes perdas no declínio do Ciclo do Ouro, grande parte dos moradores eram pobres e demonstravam cuidado pessoal mesmo com tecidos simples de algodão, local onde predominava um clima frio de montanhas.
Cada trecho desses relatos foram marcados e retirados de livros durante minha pesquisa, para conseguir cada um desses listados aqui tive que ler vários livros, de acordo com a importância da cidade na época encontrava-se mais informações e imagens.
Na próxima edição continuaremos conhecendo mais da nossa história.